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  • Por Terapia Morfoanalítica
  • 04 de agosto de 2017

Comunicação à flor da pele

Ao escutar a apresentação do caso dessa paciente na triagem, fiquei tocada pela sua fragilidade. Pensei em uma pessoa que estava num estado “à flor da pele”.

Trata-se de uma mulher de trinta e quatro anos, encaminhada pelo setor de Dermatologia do Hospital São Paulo com um histórico de psoríase. Na entrevista conta que não suporta o barulho dentro do ônibus. “Não aguento ficar ouvindo a reclamação dos outros”. Por isso fica o tempo todo com fones de ouvido escutando música.

A psoríase apareceu quando ela tinha doze anos, porém, só recebeu o diagnóstico e tratamento adequado aos vinte. Até então as lesões eram tratadas como alergia. Várias regiões do corpo foram afetadas: couro cabeludo, cotovelos, mãos, pés, pernas e também atrás dos joelhos, sendo obrigada a ficar imóvel e deitada. Sua mãe passava uma pomada preta que sujava suas roupas e lençóis, o que a obrigava usar roupas de cores escuras.

Um pedido dessa paciente foi de receber atendimento individual e não em grupo.

Em março de 2010, iniciamos as sessões individuais de Terapia Morfoanalítica.

O atendimento da paciente faz parte do Programa de Atendimento e Estudos de Somatização (PAES), serviço ligado ao Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e é realizado no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) UNIFESP, que tem como projeto o tratamento e a re-inserção social de pacientes com transtornos mentais graves.

A Terapia Morfoanalítica nunca foi praticada nesse ambulatório, o que sugeriu algumas adaptações do setting para realizar as sessões.

As portas não possuem chaves por medida de segurança dentro do CAPS, então eu utilizo uma cadeira para bloquear a entrada de outras pessoas. A sessão já foi interrompida algumas vezes com alguém abrindo a porta sem bater e a cadeira fez sua função com sucesso.

Utilizo colchonetes de ginástica para oferecer mais conforto ao realizar os trabalhos corporais no chão e peço para a paciente trazer um lençol ou manta para cobri-los.

Sem aquecedores ou lençol térmico, a sala é fria no inverno. Fato que em parte inibiu minha proposta para que ela fizesse o trabalho com roupa íntima até hoje. Penso também que a desproteção vivida e manifestada corporalmente por essa paciente através da psoríase, também afeta minha decisão dentro do quadro morfoanalítico, já que a roupa cumpre a função de proteção.

Os sinais emitidos pela paciente foram muito claros para mim quando ela fala que precisa de uma barreira sonora, os fones nos ouvidos, para suportar o barulho do ônibus; pede um atendimento individual buscando uma individuação, e corporalmente “fala” de uma desproteção onde sua pele descama deixando a superfície exposta, e depois surgem placas na pele, formando uma carapaça de proteção. Como uma mãe que atende à solicitação de seu bebê, decidi me colocar à disposição para cuidar dela sem dúvida de que o quadro da terapia morfoanalítica seria muito terapêutico para ela.

A proposta de uma terapia psicocorporal morfoanalítica vai ao encontro das necessidades de pacientes que atualizam em seu sofrimento questões de uma fase arcaica de suas vidas. Os cuidados corporais presentes no nosso quadro, integrados com qualidade de presença no toque, é capaz de tratar feridas aparentemente superficiais como a psoríase, mas que na verdade, comunicam um sofrimento profundo e primitivo do Ser.

As adaptações realizadas no setting em relação à porta sem chave colocando uma cadeira, e a realização dos trabalhos corporais com roupa, parecem concretizar a falta de proteção vivida pela paciente.

“ …algumas funções metabólicas das células da epiderme se vinculam “estreitamente às defesas do sistema imunológico. Sob esse ponto de vista, a psoríase, hoje, é considerada uma doença imunoalérgica.” Chiozza, p.21.

“ A expressão ‘ é uma questão de pele ‘, para referir-se à sensibilidade de alguém frente a outras pessoas, traduziria na sabedoria popular a função de aceitar o semelhante e rejeitar o estranho.

Parece importante destacar que a função cumprida pela representação mental da pele no esquema corporal, como contribuição ao sentimento de identidade, coincide com alguns estudos no campo da Biologia. Segundo estas pesquisas, a pele cumpriria funções imunológicas (Panconesi e cols., 1984). O sistema imunológico, cuja missão é vigiar a identidade do organismo, exerce a função de reconhecer o próprio (familiar) e diferenciá-lo do estranho. ” Chiozza, p.31

Chamarei essa paciente pelo nome fictício de Rosa. Na entrevista, Rosa fala que fica “muito nervosa e chora por qualquer coisa”, isso atrapalha a vida dela. Já foi casada e está divorciada faz treze anos. Não teve filhos, mas queria muito ser mãe.

Está afastada do trabalho desde 2008, quando a mãe teve trombose, e desde então a acompanha na rotina médica de exames e consultas. Mora com os pais, a avó materna, um irmão e um primo.

A irmã caçula morreu aos quatro anos atropelada por uma moto. Sua mãe atravessava a rua com a irmãzinha e calculava que teria tempo de atravessar antes da moto passar. Rosa é a irmã mais velha e tem ainda dois irmãos.

O início da psoríase de Rosa coincide com o nascimento da irmã caçula quando ela tinha doze anos.

Quando criança, Rosa não usava saia ou shorts porque as pessoas perguntariam “O que é isso? ” Até hoje, prefere usar roupas compridas para esconder as feridas na pele. Quando coça às vezes chega a sangrar. Sabe que tem que tomar sol e hidratar a pele. A dermatologista indicou tratamento no PAES para ajudar no tratamento da psoríase.

Fica determinado em nosso contrato que após três faltas seguidas e sem aviso, o horário ficará à disposição do próximo paciente à espera de tratamento.

Ainda na entrevista, fica emocionada quando digo que estou ali para cuidar dela. E quando conta sobre sua dependência financeira do pai e do irmão, diz que ambos a apoiam para cursar uma faculdade, mas ela não gosta de nada. No final, disse que pensou em fazer curso de massagem: “Ou vou fazer alguém ficar calmo ou eu vou ficar calma. ”

Na primeira sessão após a entrevista, chegou com dores no corpo inteiro. Apesar de ter informado na entrevista que o trabalho era feito de roupa íntima, ela não se manifestou para tirar a roupa e eu não pedi que ela tirasse.

P: Sinto o corpo pesado, as pernas pesadas e toda dolorida.

T: É uma dor conhecida?

P: Parece com a dor da minha mãe. A dor que a minha mãe sente. Sinto umcansaço.

T: Qual o sentimento?

P: Irritada. Muito irritada! Parece que eu preciso de mais espaço.

Quando ela diz que a dor dela parece com a dor da mãe, a paciente mostra uma identificação muito forte com sua mãe.

Vejo na minha frente, na posição em pé, uma mulher miúda, cabelos longos escuros e corpo compacto. Tem membros inferiores bem unidos e mãos também unidas e se contorcendo. As lesões da psoríase estão presentes principalmente no dorso das mãos. Quando me aproximo e faço o toque nos ombros ela diz:

P: Não sinto o toque. Sinto muito frio de tanta dor.

T: É um frio conhecido?

P: Sempre sinto muito frio. Vim andando no ônibus com muita dificuldade.

Quando Rosa diz que sempre sente frio, penso em uma sensação física muito conhecida desde muito tempo. Penso que o frio vem também de um aspecto emocional, onde frieza, além de ausência de calor, significa indiferença, insensibilidade.

Em seguida, na posição deitada, ela sente dor de estômago e o toque abdominal era leve e quente.

P: Fico tentando pensar que o toque vai aliviar a dor, mas não passa.

Neste momento a paciente espera que o toque da minha mão leve e quente alivie a sua dor. Vou associando as comunicações verbais e corporais vindas dela.

SEMPRE SENTE FRIO > DIFICULDADE PARA ANDAR NO ÔNIBUS> O TOQUE DA MINHA MÃO QUENTE E LEVE ALIVIARIA A SUA DOR.

Em um primeiro momento, penso em uma interpretação corporal de contenção do frio e de consciência da força de sustentação sobre os pés. Ainda em contato com a paciente, tocando seu abdome, considero o quadro de psoríase e o incômodo que ela sente com o barulho no ônibus. Trabalhar a função de proteção/contenção e delimitação entre o corpo dela e o da mãe me parece uma boa proposta terapêutica nessa sessão.

Digo à Rosa que gostaria de propor um trabalho com massagem nas pernas e pés e pergunto se ela aceitaria. A paciente concorda. Na Terapia Morfoanalítica trabalhamos com alguns tipos de massagem. Umas são muito suaves e outras trabalham na profundidade do tecido conjuntivo. Nessa sessão, penso na massagem sensitiva que é realizada através de um toque suave e delicado.

Após a massagem, no Espaço Verbal, Rosa diz que no membro inferior direito sente alívio do peso e aquecimento da região do pé e perna. No membro inferior esquerdo refere dor.

Ao final Rosa diz:

– Nossa, doutora, a senhora estudou muito. A senhora tem muita paciência. Porque eu não tenho… – e começa a chorar.

T: É tão bom quando tem alguém que tem paciência comigo, que me entende, que tem paciência com meu frio, que cuida de mim, que me ouve (vou dizendo, colocando palavras em suas sensações).

Ela chora um momento e eu pergunto:

– Qual o sentimento que vem?

P: É isso mesmo, é verdade – ela responde sem conseguir definir em palavras um sentimento.

Em pé, no final da sessão, ela se sente mais tranquila e diz que está “aliviada e com menos frio, menos peso e menos dor”.

Em resposta à interpretação corporal, Rosa diz que a terapeuta tem muita paciência. Penso na paciência de uma mãe cuidando de seu bebê. Efetivamente, os cuidados maternos solicitam da mãe uma capacidade de contenção, presença e paciência nos momentos de caos vivido pelo bebê. Essas capacidades proporcionarão um holding suficiente para proteger o bebê dos estímulos externos, inicialmente insuportáveis, assim como sente essa paciente.

A partir do sintoma no corpo real: “frio e incômodo para andar”, e da escuta do corpo emocional “irritada”, propus um de trabalho no corpo sensorial e real, a massagem. A resposta à sessão se apresenta no corpo real, sensorial e emocional quando diz que sente a paciência da terapeuta e percebe que está aliviada e com menos frio, menos peso, menos dor”.

A proposta da Terapia Morfoanalítica se apoia em três pilares: o Corpo Real, o Corpo Emocional e o Corpo Sensorial. Nas sessões morfoanalíticas, circulamos pelos três corpos simultaneamente e esta circulação propicia a integração do que denominamos de Unidade Psicoafetiva.

Nas sessões seguintes, surge a irritação com a distância semanal entre as sessões e aparece outro sintoma: o de morder o dorso das mãos para se acalmar.

Coçar as lesões na pele até sangrar e morder a pele do dorso da mão me faz lembrar o que Anzieu (1989) diz:

“Quanto às afecções da pele, o arranhar-se é uma das formas arcaicas do retorno da agressividade sobre o corpo (em lugar de voltá-la sobre o Eu, o que supõe a instauração de um Superego mais evoluído).

As mutilações da pele – às vezes reais, mais frequentemente imaginárias – são tentativas dramáticas de manter os limites do corpo e do Eu, de restabelecer o sentimento de estar intacto e coeso. ”

Didier Anzieu, O Eu-pele, p.23

Três meses mais tarde, em maio de 2010, eu estava exatamente no terceiro mês de gravidez. Em uma sessão, logo que chegou na sala e estava se preparando para ir para o setting, Rosa comentou:

– Estou irritada igual semana passada. Doutora! A senhora está grávida! – Ela disse olhando para minha barriga.

Rosa começa a chorar e diz que ficou emocionada, que ficou feliz. Mas passada a emoção, ainda na posição em pé ela pergunta:

– E quem vai cuidar de mim? Ah, mas é só no ano que vem, né!

Nessa sessão ela está vestindo uma blusa sem mangas está mordendo menos as mãos e as lesões da psoríase não aumentaram. A proposta do trabalho de consciência corporal do contato da pele com o chão e depois o trabalho respiratório fez Rosa se sentir mais calma e ela comenta:

– Eu me concentrei em mim.

Ela fala também que pretende iniciar um curso de massagem.

– Não é para ganhar dinheiro, mas é um conhecimento que vai ficar comigo.

Os cuidados recebidos nas sessões são introjetados pouco a pouco e isso aparece em sua fala quando ela diz que o curso de massagem é um conhecimento que vai ficar com ela, dentro dela.

Em 02 de setembro de 2010, Rosa chega para a sessão vestindo uma blusa bem decotada, sem mangas, está maquiada, usa calça comprida e sandália de salto alto. Proponho que ela fique de roupa íntima, mas recuo diante da previsão que vou sair de licença-maternidade no final do mês.

Digo que vejo as mudanças nas suas vestimentas e como ela se apresenta. Rosa sorri e diz:

-Alguém percebeu.

No momento do toque nos ombros na posição em pé, ela se emociona e começa a chorar.

-O que acontece? – perguntei.

P: Estou namorando, está tudo tão certo que dá medo de perder.

Interpreto que ela está com medo de perder os meus cuidados, pois está dando certo também.

-Não sei se vou conseguir falar com a outra doutora. Acho que só um terço.

Em reunião clínica, refletimos sobre o atendimento de Rosa e sua preocupação em quem cuidaria dela na minha ausência. Concluímos que seria bom para ela ter um apoio durante minha licença-maternidade. Ela sabia que seria uma psicoterapia verbal e eu retornaria para seguir as sessões.

Rosa terminou um relacionamento à distância há pouco tempo, cerca de um mês. O rapaz mora na Espanha e queria levá-la para viver com ele, mas ela encontrava muita dificuldade em se separar da família. O novo relacionamento é com um homem viúvo, sem filhos, que mora com os pais e é vizinho dela.

Em 14 de setembro de 2010, chega agitada na sessão devido a um sangramento no oitavo dia do ciclo menstrual dela.

Quando já está deitada no chão, fica mais calma com o toque abdominal e surgem lembranças do tempo em que a mãe tinha que trabalhar e deixava os quatro filhos na casa da avó. Ela conta que sua mãe se sentia culpada por ter sido ausente nessa época. Em seguida, vem também a imagem da mãe deprimida, com vontade de morrer após a morte da irmã caçula.

No final da sessão Rosa diz:

– Cheguei como se estivesse passando num túnel escuro e apertado.

Pergunto sobre seu nascimento e ela conta que sua mãe tinha dezessete anos e viajaram para São Paulo de trem durante treze horas. O leite do peito havia secado e Rosa, recém-nascida, só chorava. A mãe dava doce de leite para alimentá-la.

Depois de contar o episódio a paciente fala que sua mãe diz que não é todo mundo que tem paciência com ela. Agora faz sentido porque Rosa sentiu-se tão acolhida com a minha paciência em ouvi-la.

Rosa iniciou o curso de massagem na semana seguinte após o meu afastamento, em outubro de 2010. Mas houve dificuldades em relação à prática, pois havia o uso de óleos e isto a incomodou. O professor sugeriu-lhe o uso de luvas, mas ela descartou essa possibilidade.

Um pouco antes do meu retorno da licença-maternidade, em maio de 2011, soube que Rosa estava grávida e teve um aborto espontâneo. Durante esse período, ela ficou sozinha, sem o apoio do companheiro, que recuou diante da situação.

Foi muito difícil retomar as sessões, pela carga emocional envolvida na relação terapêutica. A raiva do meu afastamento, a tristeza pela perda do seu bebê, as fantasias em relação ao bebê da terapeuta e a tristeza em se separar da psicóloga que deu apoio durante minha ausência.

Atualmente Rosa segue com as sessões, e as lesões da psoríase estão em uma fase de remissão.

A paciente procura um trabalho, pois diz que “não dá mais para ficar em casa”. Às vezes não tem dinheiro da condução para vir à sessão ou à consulta com o psiquiatra, então faz algum trabalho de passar roupa e ganha um dinheiro, viabilizando a continuidade da terapia. Tentou um emprego para cuidar de uma criança, mas não deu certo.

Recentemente, Rosa ligou um pouco antes da sessão, dizendo que recebeu uma ligação para uma entrevista de emprego na mesma hora da nossa sessão, e pergunta:

-O que eu faço doutora? Vou à entrevista ou vou à terapia?

T: Rosa, sei que é muito importante esta entrevista para você. Na semana que vem estarei te esperando no seu horário de sempre para você me contar inclusive como foi a entrevista.

P: Ai doutora, obrigada. É que eu não aguento mais ficar em casa. Eu já estou aqui no ponto do ônibus, pronta para sair.

REFLEXÕES SOBRE O CASO CLÍNICO

“O círculo maternante é assim chamado porque ele “circunda” o bebê com um envelope externo feito de mensagens e que se ajusta com uma certa flexibilidade, deixando um espaço disponível ao envelope interno, à superfície do corpo do bebê, lugar e instrumento de emissão de mensagens: ser um Eu, é sentir a capacidade de emitir sinais ouvidos pelos outros.

Este envelope sob medida acaba por individualizar o bebê pelo reconhecimento que lhe traz a confirmação de sua individualidade: ele tem seu estilo, seu temperamento próprio, diferente dos outros sobre um fundo de semelhança. Ser um Eu, é sentir-se único. ”

Didier Anzieu, O Eu-pele, p.69

Durante as sessões com Rosa, principalmente durante a massagem, sinto sua necessidade de proteção e delimitação de quem é Rosa. Esse trabalho se dá a partir do toque na pele da paciente. Fazê-la sentir seus limites corporais, sentir o que pertence a ela e o que pertence ao outro, reconhecer o familiar e se defender do estranho, não permitir ser invadida pelo outro.

Porém, às vezes, ela sente minha mão como se fizesse parte do corpo dela, como se o nosso corpo fosse um. Para ela será muito terapêutico instalar pouco a pouco um espaço confortável e protegido para que desenvolva sua autonomia.

Vejo-a buscando ajuda na construção do seu Eu. Esse pedido de ajuda se dá principalmente na superfície da pele, através da psoríase, onde interpreto a troca da pele como tentativas de construir uma identidade.

Mas quando ela diz que sua dor “é igual a da mãe dela”, que “fica irritada com isso” e que “parece que precisa de mais espaço”, em alguns momentos ela entra na pele do outro em uma tentativa de se constituir, mas esse movimento está irritando, e ela tem uma tímida consciência da necessidade de ter mais espaço.

A gravidez de Rosa evidencia um processo de incorporação da terapeuta grávida. A paciente incorpora, no concreto e no real do seu corpo, a gravidez da terapeuta. Incorpora ao mesmo tempo a mãe e o bebê presentes no corpo da terapeuta grávida.

Vale aqui lembrar a distinção entre incorporação e introjeção.

“Em psicanálise, o limite corporal é o protótipo de toda e qualquer separação entre um interior e um exterior; o processo de incorporação refere-se explicitamente a este invólucro corporal. O termo “introjeção” é mais amplo: já não é apenas o interior do corpo que está em questão, mas o interior do aparelho psíquico, de uma instância, etc . É assim que se fala de introjeção no ego, no ideal do ego, etc.

Laplanche e Pontalis, .

Neste sentido a incorporação constituiria o protótipo corporal da introjeção.

O desejo de ser massagista, por exemplo, pode ser compreendido como um processo de introjeção da profissão da terapeuta. Desta vez, a paciente faz passar e um modo fantasístico de “fora” para “dentro”, objetos e qualidades inerentes a esses objetos (Laplanche), no caso, a terapeuta e sua profissão. O modo fantasistico difere do modo corporal, revelando uma capacidade maior de mentalização, abstração e simbolização da paciente.

A morte de seu bebê trouxe à tona sentimentos atuais e do passado, ocorrendo por um período o “desaparecimento” das lesões na pele. Por um momento, Rosa vive a partir do contato com o Corpo Real, sentimentos como a perda, a separação e a morte. Esses sentimentos são associados à morte e ao nascimento de sua irmã mais nova.

As lesões na pele voltaram de forma mais discreta após esse breve período de elaboração do luto do filho e da irmã.

Atualmente, ela está empenhada em encontrar um emprego, e como ela mesma diz, “cuidar da vida”. Vejo um movimento de separação saudável do ex-companheiro e também da casa dos pais onde mora.

Quando me liga perguntando o que fazer: se vai à sessão ou à entrevista de uma vaga de emprego, parece que ela experimenta se separar sem ser aniquilada. Movida por um desejo de ter um novo emprego, ela segue seu caminho, sentindo-se mais coesa e com seus limites um pouco mais definidos.

“Bick (1970,) afirma que a representação da pele como continente contribui para a integração do esquema corporal, já que, no bebê, tal representação garante coesão das partes da personalidade vividas primitivamente como desunidas. Essa função depende da introjeção de um objeto vivenciado como capaz de cumpri-la. Nessas condições, a ação adequada do objeto continente adquire a representação psíquica de uma primeira pele .” Chiozza, p.29

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANZIEU, D. O Eu-pele. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1989.

BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

CHIOZZA, L. A. Os afetos ocultos em: psoríase, asma, transtornos respiratórios, varizes, diabete, transtornos ósseos, cefaleias e acidentes cérebro vasculares. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

A AUTORA

Cristina Hirashima

Formada em Fisioterapia pela UNESP, iniciou sua prática clínica como Terapeuta Morfoanalista desde 1997. Em 2006 concluiu a especialização em Psicossomática Psicanalítica pelo Instituto Sedes Sapientiae. Integrou por 8 anos a equipe de profissionais do PAES – UNIFESP. Atualmente estuda Dinâmicas Grupais e Institucionais no Instituto Sedes Sapientiae e pesquisas sobre o tema do feminino na atualidade através de cursos/ vivências em grupo e discussões clínicas.